martes, 20 de octubre de 2009

Oculto Dissonante - 3


Nove de julho de dois mil e nove, um ano atrás, família, amigos e mais alguns no jardim de casa. Sorrisos, risadas, cerveja e carne, muita carne. Eu, nó na garganta, ânsia, tremedeira, choro escondido e triste recolhido. Todos ali, comigo, e eu em algum outro lugar que não ali, em algum outro eu que não comigo, de passagem, interrogando, escavando e perfurando. Não devia, o mal vem disfarçado! Na cerveja gelada busco meu apaziguar, talvez consiga relaxar e desfrutar o meu celebrar. Celebrar? O que? Por quê? Aonde? Quando? Pra onde? Por quê? Por quê? Por quê?As perguntas martelam minha cabeça, amassam minha alma e rasgam minha garganta deixando uma ferida até o peito que pungente apresenta a dor sem remédio. Suporto! Vitoria paliativa. O ciclo do suportável se torna insuportável. A deriva do só com todos, me encontro sem encontro. Hoje não, passou, foi, deu-se, morreu! Hoje ganhei a paz injetada, sem ânsias e enjôos, vivendo um dia de cada vez. Sinto-me mais inteiro, apesar da sensação agarrada, do hoje ser o ontem que não foi e o amanhã o hoje que não é. Violentamente saliento a mim mesmo os excrementos característicos que insistem pregados ao meu ser. Os golpes são duros e vão desde tapa na alma a soco no espírito. Não deixo barato, não aceito o nocaute e após um breve sangrar, rebato a mim mesmo os golpes deferidos. Com um gancho de direita. A demasiada auto-compreensão leva-me novamente ao ponto zero e ao começo sem inicio. Não importa, na falta do “mais e melhor”, menos mal aqui estou. Enfim, trancado no quarto, debaixo das cobertas, caverna de Platão, procuro entender o que se passa lá fora.
Escuto uma briga, Pablo, Manu e Juan discutem, alardeia pela sala encardida certa desarmonia. O ar se torna brusco e rudimentar. Ignoro mas meu estar canta a preocupação. Após gritos e ganidos, saio do quarto, do “buraco”, dou bom dia sem bom, e toco pro estúdio, lá, clima, provavelmente pior que aqui não há. A realidade fora das cobertas rompe o meu medo e aniquila meu eterno procrastinar. No estúdio, ninguém, paz absoluta e portas abertas pro meu livre criar. O ensaio seqüente me grita o desancorar. Aqui posso ser fiel a minha própria filosofia do intuir, enfrento a euforia exacerbada e sem pensar em qualquer coerência vou direto aos focos de luz trabalhar brilho, quantidade, contrataste e difusão dos objetos a serem clicados. Ventilador do passado e vaso de flor ao lado. Com iluminação frontal baixa alcanço o universo onírico presente em meu inconsciente. Duas horas depois resulto por satisfeito. A fome bate e é hora de voltar a casa transmutada em antro agonizante. Juan, não está! Manu e Pablo sim! Indiferente! Hoje faz sol e o horário de verão pede um passeio pelas ruas de “Lavapiés”, Diana me liga e o plano é adentrar a noite de verão se refestelando com “copas e tapas”. Em pouco menos de meia hora Diana chega ao meu encontro e com sua verve falante me lança as ruas de Madrid. Na calçada bar a bar vamos distanciando-nos da atmosfera amarga do porvir. A noite é longa. Diana é uma apreciadora do andar sem rumo. Ziguezagueando os chineses de cerveja quente pouco a pouco encaramos o fim do respirar aliviado. A conversa foi boa, passou rápido e Diana entornou suas essenciais garrafas de vinho. É chegada a hora da volta. Diana fica por Atocha, seu QG, eu caminho adiante, á volta ao buraco não me agrada, mas é onde vivo, ou pior, sobrevivo. Chego, encaro a porta, a chave. Adentro a gruta. Com meia fome resolvo fazer uma torrada com manteiga, fecho a porta da cozinha, mas logo em seguida sou interrompido por Manu que de toalha enrolada ao corpo me caga na cara seu banal recado: - Estamos com um cliente no quarto e Juan não sabe. Pensa que é nosso amigo. – Em seguida lança uma risadinha menina. Absorto, revelo o esgotamento do suportável, viro a cara e continuo com a torrada, trabalho nela tentando entender o que existe na cabeça desses caras. Merda? No que me perco no devaneio de como poderia acabar com aquilo, Juan adentra a cozinha pedindo o silêncio impossível de se ter numa casa onde ratos se escondem do real, entre paredes tão gastas quanto suas próprias cuecas. A coisa começa a esquentar, Juan me encara menina brava. O que resta do meu “deixa disso” ameaça escapar. Um pouco escapa. Rispidamente respondo a Juan que eu pago o aluguel para usar a cozinha a hora que me for necessário. Juan tentando não perder o ar de quem manda, me diz: - Sim coma, pode comer, mas faça menos barulho. Tentei imaginar o barulho da faca na torrada. E então Manu me confessa que Juan está bravo por causa do tal novo amigo de Ignácio e Manu. Engulo seco o resto da torrada e saio da cozinha em absoluto silêncio. Não há nada mais para ser dito nem perguntado. Deitado em meu quarto puxo o sono no aguardo do “amanhã é outro dia”. Não é! Pela manhã sou acordado com Ignácio espancando minha porta. Antes que ele pudesse completar que Manu o havia abandonado e fugido com o novo amigo-cliente, abro a porta e vejo o argentino afogado em lágrimas. Gostaria que não tivesse sido assim, gostaria de ter conseguido agüentar mais um pouco, mas o futuro do pretérito não existe. O meu “deixa disso” se vai por completo e quando vejo, estou sobre Ignácio batendo sua cabeça contra o chão, tentando enfiar nela um pouco de bom senso.