jueves, 4 de junio de 2009

Oculto Dissonante 2


Dez horas da noite e o céu travestido de “fim de tarde” me confunde a noção de dia, noite, madrugada, manhã e tarde. O café da manhã vira jejum, almoço janta e janta larica. A “ciesta” castiga a minha a ordem da desordem e transforma minha completa inabilidade com o tempo em paradigma do fracasso. Trens se despendem ao meu chegar, ônibus tardam ao meu esperar, metrô me mete embaixo da terra feito rato no buraco. Hora e hora e meia para alcançar, pra chegar e somente estar. Encarnecido me desdobro na indolência do meu cronometro afim de conseguir chegar em casa antes do escurecer, não é difícil, ainda são oito da noite. Chego em casa, uma hora depois, o estúdio é longe e a casa distante. O roteiro é o mesmo, enfio a chave amarela na fechadura da porta de vidro, adentro o hall, subo a rampa e mais uma vez chave amarela na segunda porta, o bairro não é acolhedor tampouco seguro. Já a frente do elevador modelo oitenta e dois, aperto o botão e digo “Hola” a senhora que me encara como imigrante, visita sem convite, bicão em festa prive. Ignoro. Chave vermelha na fechadura de casa e a música popular merda espanhola expelida do rádio de Juan me faz lembrar que eu não queria voltar para cá. A fumaça de tabaco empesteia o ar e vejo ao fundo Pablo com garrafa de run e Manu assistindo a mais pura bosta da televisão espanhola, aliás, me indago absorto no caos dessa epifânia barata, que caralho esses dois estão querendo? Esquece. Eles não sabem, o ar se torna cada vez mais fétido e podre e eles definham tão rápido como cadáveres ao céu de urubus, a degradação exala dos olhos, bocas, ouvidos, narinas, pele, poros e cús. Logo sou convidado a me sentar e tomar uma “copa”, claro recuso e me dirijo ao quarto, “meu buraco”. Deito a cabeça sobre o travesseiro, ao meu lado vejo revistas de teatro, canto desarrumado e a iminência da minha agressiva consciência me violentar indagando aonde vim parar e o que exatamente vim fazer aqui, respondo de pronto quase sem pensar: Me livrar de mim mesmo!!!Que bom! Sinal que apesar da insana vontade do novo, eu continuo comigo. Porque sei que quando estive só foi triste e inevitável, mas o só sem ao menos eu comigo foi quase triste fim, sem fim. Não obstante vivo o novo e me jogo ao desconhecido, afinal de contas, vim buscar também a hibridez que me faltava. Saio do quarto, um banho pode revigorar a pele encardida do bruto dia. Sim, revigora e me mantém de pé pra buscar na cozinha abafada e escura, o meu “bocadillo” de “chorizo” e copo d’água. Na sala Pablo me mira e eu penso, me erra! Mais uma vez vem demente vomitar merda e sangue, aqui, bem aqui no meu nariz. Manu, se mantém concentrado na confecção do único bamba leão da noite. Com o sorriso de canto Pablo esquiva a cabeça para o lado e me fala, sem dó: Comemos o marido do Juan! Eu exclamo ancorado na falta do crível que poderia ser tal situação. Que? E ele me conta que pela manhã, o marido de Juan, Santiago, um velho senhor de cinqüenta e tantos anos, estatura pequena beirando um metro e sessenta e pouco, fanático por tênis e dono de um grande castelo em Cáceres, colocou os dois pra trabalharem, a festa foi além e eu em meu buraco sem saber e nem escutar nada, deve ser o sono enfrentado pelo dia. Sabendo que nada disso me interessa, resgato meu único e possível sorriso enterrado no meu intestino para com uma única frase terminar o monólogo de Pablo. Cara, eu estou com pressa, não me leva a mal, mas tenho que ir nessa! Sim, a hora agora é de respirar, cortar o ar, descer a rampa e encontrar o meu retiro, ali no próprio “Retiro”. Juan chega em casa e me pergunta o que está rolando. Então eu respondo que alguma coisa sempre está rolando, pego meu skate, e coloco os fones de ouvido, ao melhor cortar o ar e ouvir em alto e bom som o reggae de Alborosie............Zin Blin Don Don! Zin Blin Don Don!